30 de agosto de 2007

Aprender esperanto!?por quê não rapaiz?





Jaromir Babitchka


ANA > Hoje "muita" gente do meio libertário considera o Esperanto umdefunto, ou uma coisa exótica. Eu ouvi um compa, que participou doúltimo Congresso da Internacional de Federações Anarquistas na França,dizer que lá tinha gente de tudo que é canto do mundo, gente queconseguia se comunicar em 4 ou 5 línguas, mas nada de Esperanto. Aliás,eu desconheço algum congresso anarquista onde a língua "oficial" doencontro tenha sido o Esperanto. Você sabe de algum? Outra coisa, o quevocê acha desse "jeitinho libertário" das pessoas aqui no Brasil secomunicarem no "portunhol"? René <>É baseado neste emaranhado de siglas que
decidimos não nos precipitar. Temos que ser representativos ao criarmos
um tipo de organização dessa. Senão ela perde seu significado.

ANA > Há tempos você vem divulgando o esperanto no meio anarquista.
Nesse trajeto, qual a sua avaliação? Você nota alguma mudança?
René < Não tem um meio em particular que eu mais divulgo o esperanto.
São em todos lugares: escolas, trabalho, grupos em geral. No meio
anarquista é conseqüência, pois estou neste meio. Acho muito pertinente
que se use o esperanto como uma forma de internacionalização da
comunicação e forma de resistência a hegemonia lingüística, que destroem
culturas. No caso o inglês, e daqui a pouco o chinês. Nessa trajetória,
vejo que muito poucos anarcos têm compreendido esta mensagem. Preferem
gastar milhares de reais e horas de estudo para aprender um pouco (veja
bem, UM POUCO) da língua de Shake speare ao invés de gastar muito menos
para aprender MUITO MAIS na língua de Zamenhof. Isso é bem a cara
daqueles que preferem a cômoda situação de se dizerem anarquistas ao
invés de por em prática seus ideais. Este comodismo está muito bem
colocado no dois primeiros artigos da revista Utopia #17 e em "As
Comunidades Experimentais como Alternativa ao Capitalismo" Utopia #16.
Há algum tempo poderíamos até justificar que tínhamos que lutar contra
ditaduras, etc e tal. Mas hoje, não vejo motivo de cada um, mesmo sem o
capital, se lançar em projetos pela base. Estes indivíduos ainda
preferem o discurso ao invés da pratica.

ANA > Hoje "muita" gente do meio libertário considera o Esperanto um
defunto, ou uma coisa exótica. Eu ouvi um compa, que participou do
último Congresso da Internacional de Federações Anarquistas na França,
dizer que lá tinha gente de tudo que é canto do mundo, gente que
conseguia se comunicar em 4 ou 5 línguas, mas nada de Esperanto. Aliás,
eu desconheço algum congresso anarquista onde a língua "oficial" do
encontro tenha sido o Esperanto. Você sabe de algum? Outra coisa, o que
você acha desse "jeitinho libertário" das pessoas aqui no Brasil se
comunicarem no "portunhol"? René < Acho que você já recebeu mensagens
minhas mostrando o quanto pode ser útil e o quanto o Esperanto tem
crescido, principalmente pelo advento da int ernet. Faça uma busca no
google.com e verá o quanto ele existe. Como eu disse acima, temos medo
de ousar. O Esperanto não é uma das minhas bandeiras de luta numero um.
No entanto, quando vou a uma escola, vejo a enorme quantidade de
dinheiro gasto para ensinar "ingrês" ou espanhol, e um resultado
insignificante, fico pensando: estamos vivendo uma neurose lingüística.
Nós, anarquistas, somos vítimas e contribuímos para aumentar essa
neurose e nem percebemos. O poder da palavra, e conseqüentemente de uma
língua é enorme, e o desprezamos. Criamos uma elite anarquista que teve
o privilégio de aprender 4 ou 5 idiomas, e por isso nem conseguem mais
fazer uma crítica a este sistema elitista excludente que é o problema
das línguas. Quanto à língua "oficial" ser o Esperanto posso dizer o
seguinte. Dentro do mundo esperantista existe a SAT (Associação
Anacionalista Mundial), que é um tipo de organização das organizações de
esquerda dentro do Esperanto. Nela existe ainda as suas "Fakoj" (seçõ
es), entre elas a anarquista. No congresso da "Fako" anarquista, a
língua oficial é o Esperanto. Já ouve inclusive aqui no Brasil. Aí algum
oportunista me diria: mas isso é uma forma excludente, pois tem poucos
anarco-esperantistas. Eu também acho. Mas acho tanto excludente e
elitista quanto o congresso anarquista na França. Sou um crítico desse
tipo de coisas. Já fui em pelo menos dois congressos "internacionais" em
que o jeitinho era o portunhol. Eficientes para nós, latino-americanos.
Agora quando entra gente da Ásia, Leste-europeu, etc, pronto, "A Torre
de Babel" está formada. Você já foi em algum congresso internacional em
que haviam pessoas de todos os continentes em um bom número? Se foi
notará um predomínio das falas daquelas pessoas cujas suas línguas
maternas é o inglês. Começa aí a exclusão. Mas eu também já fui em 2
"Internacionais" que era mais fácil se chamar de, com muita boa vontade,
americano com participação de 3 indivíduos de Portugal e Espanha.
Existem crítica s ao Esperanto e eu as reconheço. Contudo, ainda é a
melhor solução para o problema das línguas. Aqueles que quiserem dar uma
bisbilhotada e meter a mão-na-massa, podem começar por: www.lernu.net
(mais de 6500 usuários de todo o mundo. Há possibilidade de se
conversar ao vivo) ou www.anarkopagina.org/esperanto






Um prisioneiro político - só por causa do Esperanto

Jaromir Babitchka acaba de festejar seus noventa anos de idade. Ele permaneceu fiel aos ideais do Esperanto e à ferrovia durante toda a vida, embora justamente essa fidelidade ao Esperanto e ao internacionalismo transformaram-no em um "espião" e ele foi preso nas condições mais terríveis do campo de concentração comunista de Jachymov (Rep. Tcheca). Stanjo e Petro Chrdle entrevistaram-no para a revista Sennaciulo (n. 1123, Jan./99), da Associação Mundial Sem-Nacionalidade (SAT). Tradução do esperanto para o português feita pelo Kultura Centro de Esperanto-Campinas.
Stanjo: Quando e como você tomou contato com o Esperanto?
Babitchka: Quando eu era vice-chefe da estação ferroviária de Podmokly (atual Decin), um francês procurava um tcheco e me mostrou uma carta escrita numa língua desconhecida. Isso foi em 1945, depois da guerra. Eu me admirei: o francês eu sabia, mas não era aquela língua - embora eu compreendesse um pouco do conteúdo. Depois de saber que se tratava da língua internacional Esperanto, eu a aprendi rapidamente. Um ano depois eu já comecei a ensiná-la e fundei um clube de Esperanto para ferroviários locais, o "Sempre Avante".
Petro: Todos sabemos que você foi acusado de atividades contra o regime socialista. Mas como foi expressa efetivamente a acusação? Quando e como você foi informado?
Babitchka: A citação do parágrafo foi concisa: espionagem para o ocidente por meio de palavras codificadas em cartas em Esperanto e traição à pátria. Isso aconteceu em setembro de 1953, durante meu tratamento na estação hidromineral de Marianske Lazne. Ao voltar de um passeio, estavam me aguardando dois policiais civis e sem nenhuma explicação me conduziram para a prisão de Litomerice, onde fui interrogado diariamente durante quatro meses, até o fim do julgamento. Como eu foram presos também alguns dos meus alunos, que "receberam" alguns anos a menos na condenação.
Stanjo: De quanto em quanto tempo você podia ter contato com sua família? Você podia visitá-los, ou pelo menos receber a visita deles?
Babitchka: Sair para visitar a família era impossível. O direito de receber a visita de um parente era para uma vez a cada dois meses, por dez minutos, através de uma cortina de ferro, sob o olhar de um guarda - isso com a condição de que nesses dois meses a conduta tivesse sido irrepreensível. Eu mesmo consegui receber a permissão duas vezes durante toda a minha estada lá.
Stanjo: Quando você conseguiu reverter a condenação e se libertar, em outras palavras, quanto tempo você teve que sofrer?
Babitchka: Depois do veredito do tribunal, meu advogado me aconselhou não apelar, porque ele acreditava ser um desperdício de dinheiro e de tempo. Ele prometeu pegar o caso no momento em que a pressão política fosse menos intensa. E ele realmente fez isso em 1956, depois do fim do culto à personalidade de Stalin. Então em fevereiro de 1957 eu fui solto e dois meses depois declarado inocente desde o começo. Não recebi, porém, qualquer indenização e não pude encontrar trabalho. Mas isso já é outra história.
Petro: Eu sei, de outras conversas com você, que voce não gosta muito de se relembrar desses anos e nós entendemos bem o porquê. Mas você poderia descrever aos leitores um típico dia de trabalho na prisão?
Babitchka: Nós trabalhávamos muito nas minas de urânio de Jachymov, oito horas por dia, em três turnos. Da nossa prisão nós éramos conduzidos em um pelotão fechado em filas de 7 pessoas cada, tão apertado que só se podia dar um passo todos ao mesmo tempo; cercados com uma corrente, que precisavam segurar os que estavam nas laterais, e ainda à nossa volta iam guardas com cães. Nós éramos os prisioneiros mais perigosos! Nas minas profundas nós trabalhávamos pesado em um calorão. Ao sair das minas nós tínhamos que esperar bastante tempo a chegada de guardas para sermos escoltados de volta, às vezes por horas, principalmente se tudo estava congelado.
Stanjo: Você ainda pode se lembrar do que recebiam para comer?
Babitchka: Quanto à comida o mais terível foi no período do inquérito, quando era quase nenhuma e ainda mal podia se comer. No trabalho das minas nós recebíamos já um pouco mais. Além disso nós podíamos comer mais pão, e por boa conduta podíamos até comprar waffles. Ficava claro que nós precisávamos estar fortes. Nem sempre, mas de vez em quando nós recebíamos até carne.
Petro: Você pode se lembrar de um acontecimento que tenha sido especialmente desagradável e pelo menos uma boa experiência vivida no campo de concentração?
Babitchka: Meu primeiro Natal em Jachymov foi incrível. Indo à latrina eu não prestei atenção, por causa da neve, a um guarda e não o cumprimentei. Vei o castigo: quatro dias na solitária. Fui jogado numa cela com janela de grade sem vidro, pela qual nevava dentro da cela e congelava tudo. Antes de entrar, eu tive que tirar os sapatos e fiquei descalço. Dentro havia um beliche, sem cobertor. Para comer eu recebia um pedacinho de pão para o dia todo e uma jarra de agua morna. Dois dias eu consegui andar e me movimentar para não morrer congelado, até que eu tive a coragem de berrar que eu precisava de um médico. O guarda me desaconselhou dizendo que haveria condições ainda piores como um novo castigo. Mas eu insisti e fui levado ao médico, que me permitiu receber um cobertor. Fui levado ao almoxarifado onde havia uma pilha de cobertores que ia até o teto. Eu percebi que um era mais grosso e o escolhi. Isso provavelmente salvou a minha vida, porque eram dois cobertores dobrados como se fossem um e eu até me aventurei a dormir e não morri.
A melhor experiência? Quando nós soubemos, através de novos presos, que na Hungria começara uma contra-revolução e que os stalinistas seriam provavelmente afastadados. Logo nós sentimos um comportamento mais humano, até um dia quando fui chamado ao escritório e me anunciaram que eu estava livre para voltar para casa. Eu não acreditei, achando que era mais uma brincadeira cruel, ao final da qual eles me atirariam como em um fugitivo, mas a notícia tornou-se verdade!
Stanjo: depois de tanto sofrimento que você passou por causa do Esperanto, você lamenta tê-lo aprendido?
Babitchka: Não. Pelo contrário, o Esperanto me trouxe um sentido à vida. Através dele eu conheci os melhores amigos e ele até salvou a minha mente naqueles quatro anos difíceis: nós podíamos emprestar um livro a cada dois meses para que vivêssemos com cultura nas barracas. Eu o lia sempre rápido e depois o traduzia às vezes em Esperanto, mesmo sem papel, só para exercitar o cérebro até receber um novo livro.
Nós o agradecemos muito por suas respostas e lhe desejamos (certamente também em nome dos leitores da Sennaciulo) saúde e alegrias ainda por muitos anos.
Nota: nem todos tiveram uma resistência tão boa e voltaram para casa... Todas as vítimas, mas também os verdadeiros criminosos que atormentaram presos políticos inocentes, são lembrados em um museu que será visitado na excursão "Jachymov" do 72. Congresso Anual da SAT em 1999, em Karlovy Vary. É do material informativo do Congresso que retiramos o texto de Stanjo Chrdle:
Jachymov - cidadezinha que ficou famosa algumas vezes
Jachymov (leia-se jahimof) é hoje uma cidadezinha tranqüila e uma bela estância hidromineral, mas séculos atrás foi uma importante cidade tcheca (a segunda maior), e ficou famosa mundialmente. Já na Idade Média existia lá uma rica mina de prata e na casa da moeda local surgiu o "tolar de Jachymov", que se tornou rapidamente uma unidade monetária adotada amplamente e que veio até a dar nome ao dólar, usado em muitos países, inclusive os EUA.
No século XIX a cidade se tornou mais uma vez mundialmente conhecida por sua rica jazida de urânio, da qual Marie Curie-Sklodowska com a ajuda de seu marido isolou o rádio e com isso deu início a uma nova época da tecnologia. Mas a existência do rádio teve também outras conseqüências que influenciaram a vida da cidade. Já em 1906 era usado o elemento rádio para tratamentos e é usado até hoje. Parece ter sido a primeira, mas certamente é hoje a mais conhecida.
O urânio trouxe também sombras à história da cidade. Por sua riqueza em urânio, depois da Segunda Guerra 100% dessa matéria-prima estratégica eram exportados para a União Soviética. Para o trabalho perigoso faltava mão de obra, então lá trabalhavam os prisioneiros de guerra e desde 1951 lá funcionou o mais mal-afamado campo de concentração da Tchecoslováquia. Em uma dezena de minas de urânio, sob condições sub-humanas, trabalharam e sofreram presos políticos até a queda do culto à personalidade de Stalin em 1956.
Os comunistas desde então eliminaram todos os rastros do campo de concentração, cuja existência era um tabu não mencionado até o ano de 1989. O campo está agora documentado e lembrado por um museu e monumentos que pedem que não nos esqueçamos.